| Março 
tudo começou aqui 
o silabar do esquecimento
 os dias perdidos no passado
 teu cabelo cheio das minhas mãos
 
 a minha sede no teu corpo inclinado
 como um copo entornando luz
 nas tormentosas águas que hão-de vir
 
 quando nasceste
 já o vento me impedia de dormir
 e os meus mortos erravam pelos bosques
 
 mas agora a redonda primavera
 vem à minha alma tão seca
 acordá-la
 no seu leito de silêncio
 e os meus olhos de pisadas folhas
 são sombras a arder em crua luz
 Marzo
 
tutto è iniziato qui
il sillabare della dimenticanza
 i giorni perduti nel passato
 i tuoi capelli pieni delle mie mani
 
 la mia sede nel tuo corpo chino
 come un bicchiere che versa luce
 nelle tormentose acque che verranno
 
 quando nascesti
 già il vento m’impediva di dormire
 e i miei morti erravano nei boschi
 
 ma adesso la piena primavera
 viene alla mia anima così secca
 la risveglia
 nel suo letto di silenzio
 e i miei occhi di calpestate foglie
 sono ombre che ardono nella cruda luce
 COSMOLOGIA BREVIS
 
Os livros de astrofísica deixam-me deprimido
habito num exíguo apartamento de um arquipélago
 infindo de galáxias
 os átomos de que é feito o meu corpo
 são filhos de estrelas desaparecidas  há muito
 aos teus cabelos aos teus olhos à tua boca rebrilhante
 chamariam os cientistas do cosmos pó de estrelas
 ou mesmo lixo nuclear
 este sol com que todos os dias contamos
 e ao qual tantas vezes recorremos para qualificar
 os momentos de esplendor das nossas vidas
 é um astro entre milhões neste universo
 jamais ao nosso alcance e morrerá
 como todas as estrelas nossas mães
 COSMOLOGIA BREVIS
 
I libri di astrofisica mi lasciano depresso
abito in un esiguo appartamento di un arcipelago
 infinito di galassie
 gli atomi di cui è fatto il mio corpo
 sono figli di stelle scomparse tempo fa
 i tuoi capelli, i tuoi occhi la tua bocca risplendente
 chiamerebbero gli scienziati del cosmo polvere di stelle
 o anche spazzatura nucleare
 questo sole su cui tutti i giorni contiamo
 e a cui tante volte ricorriamo per qualificare
 i momenti di splendore delle nostre vite
 è uno tra i milioni di astri in questo universo
 che non è mai a nostra portata e morirà
 come tutte le stelle nostre madri
 QUARTO 312
 
Da janela ela olhava os telhados velhos da cidade
e o mar pasmado pelo calor de Junho
 que naquele ano pulsava como um grande desígnio
 
 os dias eram escassos para uma paixão tão furtiva
 feita de palavras que se atropelavam como
 se não tivessem tempo de ser tempo e o futuro
 fosse apenas um rumor no desejo
 um fogo-fátuo sem anéis nem glória
 
 entregavam-se um ao outro e tudo em volta escurecia para sempre
 os gemidos de amor eram os últimos sinais possíveis
 num tempo quebradiço e volátil que não entendiam
 nem queriam entender
 
 sentado na cama percorria o corpo dela
 como se o visse pela última vez: exacto, nobre e único
 o sol dourava-lhe o recorte, fundia-o com a luz
 que entrava como uma súplica no quarto
 
 mas as cortinas fechavam-se de novo e tudo voltava
 ao segredo dos músculos já sorvados de esforço
 e a dor era saliva e sangue e esperma
 contaminando as palavras tão nuas
 como as asas cegas das suas vidas
 
 ela falava em errância, em infinito, gemendo-lhe ao ouvido
 e ele entrava nela uma vez mais
 como se quisesse acabar por fim com a sordidez do mundo
 STANZA 312
 
Dalla finestra lei guardava i tetti vecchi della città
e il mare stordito dal caldo di luglio
 che quell’anno pulsava come un grande disegno
 
 i giorni erano scarsi per una passione così furtiva
 fatta di parole che inciampavano come
 se non avessero il tempo di essere tempo e il futuro
 fosse a malapena un rumore nel desiderio
 un fuoco-fatuo senza anelli né gloria
 
 si abbandonavano uno all’altra e tutto intorno si adombrava per sempre
 i gemiti dell’amore erano gli ultimi segnali possibili
 in un tempo friabile e volatile che ormai non afferravano più
 né volevano afferrare
 
 seduto sul letto percorreva il corpo di lei
 come se lo vedesse per l’ultima volta: esatto, nobile e unico
 il sole le dorava il ritaglio lo fondeva con la luce
 che entrava supplicante nella stanza
 
 ma le tende venivano di nuovo chiuse e tutto tornava
 al segreto dei muscoli già indeboliti dallo sforzo
 e il dolore diventava saliva e sangue e sperma
 e contaminava le parole così spoglie
 come le ali cieche delle loro vite
 
 lei parlava di viaggi e di infinito, gemendogli all’orecchio
 e lui entrava dentro di lei un’altra volta ancora
 come se volesse farla finita con la sordidezza del mondo
 TRANSFIGURAÇÃO
 
Ficámos a ver o pôr-do-sol 
como se nos despedíssemos
 de um familiar
 ou das nossas próprias ilusões
 A luz cumpria-se na viagem
 que ia repetindo glórias e desgraças
 e a esperança já pouca ciência tinha
 neste chão de ausência a que chegámos
 
 Também as gaivotas se cegavam
 na inflexível luz
 que suicida arrastava
 a sua miragem
 num enorme besouro cansado
 de energia
 
 Irreprimível o dia desapareceu,
 a fronte densa da noite
 tudo alagou em solta sombra
 e embora não o víssemos já,
 o carrilhão escuro do mar
 embaciava as nossas palavras velhas
 troava no seu trono de negrume
 inquieto como uma porta aberta
 que não quiséssemos transpor
 TRASFIGURAZIONE
 
Restammo a guardare il tramonto
come se ci congedassimo
 da un familiare
 o dalle nostre stesse illusioni
 La luce si compieva nel viaggio
 ripetuto di glorie e disgrazie
 e la speranza ormai poca scienza aveva
 su quella terra di assenza alla quale giungemmo
 
 Anche i gabbiani si accecavano
 nell’inflessibile luce
 che suicida trascinava
 il suo miraggio
 in un enorme bisbiglio stanco
 di energia
 
 Irreprimibile il giorno scomparve,
 la fronte densa della notte
 inondò tutto in sciolta ombra
 e nonostante non lo vedessimo più,
 il carillon buio del mare
 offuscava le nostre parole vecchie
 tuonava sul suo trono di tristezza
 inquieto come una porta aperta
 che non volessimo varcare
 TEATRO
 
Passam as personagens principais,
bons e maus actores
 muitos figurantes
 tudo se reduz a marcações, cenários
 e inúteis figurinos
 
 interminável, a representação
 às vezes entusiasma
 mas no geral é o supremo tédio
 o rasgado bocejo
 
 tem pequenos intervalos
 um sopro de outra realidade
 mas afinal não passa de ilusão
 e a peça não acaba nunca e
 alguém fechou as portas do teatro
 pelo lado de fora
 TEATRO
 
Passano i personaggi principali,
bravi e cattivi attori
 molte comparse
 tutto si riduce a prenotazioni, scenari
 e inutili modelli
 
 interminabile, la recita
 talvolta entusiasma
 ma in genere è il supremo tedio
 il lacerato sbadiglio
 
 ha piccoli intervalli
 un soffio di un’altra realtà
 ma alla fine è solo illusione
 e la pièce non finisce mai –
 qualcuno chiuse le porte del teatro
 dall’esterno
 SÍSIFO
 
Todos os dias regresso
a esta ideia: o mundo
 será sempre assim,
 a própria dor
 é o contraponto
 da agitação das estrelas
 O tempo perde-se neste fio
 de nuvens tão perto
 como o medo
 e longe está ainda
 o anjo que me espera
 numa cadeira vazia
 Afago devagar
 a pedra consumida
 na vertigem
 de lhe incrustar
 as dedadas
 do sonho
 de levá-la
 ao sol
 como uma oferenda
 da imperfeição
 SISIFO
 
Ogni giorno torno
a questa idea: il mondo
 sarà sempre così,
 lo stesso dolore
 è il contrappunto
 dell’agitarsi delle stelle
 il tempo si perde in questo filo
 di nuvole così vicino
 come la paura
 e lontano è ancora
 l’angelo che mi aspetta
 in una sedia vuota
 Accarezzo lentamente
 la pietra consumata
 nell’ebbrezza
 di incrostarvi
 le ditate
 del sogno
 di portarla
 al sole
 come un’offerta
 di imperfezione
 ADOLESCENTE
 
rodeada de perversas flores
o corpo despia-se por si mesmo
 entre conversa fiada
 e gestos propiciadores
 
 havia nela por certo uma maresia
 escondida
 que evocava
 a languidez do mar
 um furor desatinado
 que percorria a pele
 numa ávida tensão
 
 fumava um cigarro
 na varanda
 tinha um ar apressado quando olhava
 os despojos irónicos
 de uma noite agitada
 
 pequeno almoço breve
 corria para asa aulas
 na contraluz velada da porta
 o corpo firme provocante
 electrocutando
 a dourada melancolia
 do instante
 ADOLESCENTE
 
Circondata da fiori perversi
il corpo si spogliava da sé
 fra le chiacchere
 e i gesti di profferte
 
 C’era in lei di certo un’aria salata
 occulta
 che evocava
 il languore del mare
 il furore dissennato
 che percorreva la pelle
 con avida tensione
 
 Fumava una sigaretta
 sul balcone
 aveva un’aria impaziente quando guardava
 gli avanzi ironici
 di una notte agitata
 
 Colazione breve
 correva a scuola
 nel controluce velato della porta
 il corpo robusto provocante
 che fulminava
 la melancolia dorata
 dell’istante
 MULHERES NUMA CERCA
 
Duas mulheres estão sentadas numa cerca
ao ar cru da manhã,
 são jovens
 os braços não lembram ainda qualquer cansaço
 os corpos têm dentes fincados
 no desejo
 a vergasta do tempo anda longe
 impossível,
 usam vestidos simples
 saem deles as pernas como soltos caprichos
 que se dão à chuva do olhar,
 a guerra aproxima-se
 mas elas não sabem,
 apertam as cabeças
 na chama aguda de uma felicidade simples
 profana, macia de beijos e saliva,
 estão perdidas no mais íntimo de si
 abraçam bocados do dia
 onde se gravam
 quase desmaiando a seus pés
 numa luz ardente a que se rendem
 livres prisioneiras do sonho
 DONNE SU UNO STECCATO
 
Due donne sono sedute su uno steccato
nell’aria cruda del mattino,
 sono giovani,
 le braccia non ricordano alcun sforzo
 i corpi hanno denti conficcati
 nel desiderio
 la frusta del tempo è lontana
 impossibile,
 indossano abiti semplici
 le gambe escono come capricci sciolti
 che si offrono alla pioggia dello sguardo,
 la guerra si avvicina,
 ma loro non sanno,
 stringono le teste
 nella fiamma acuta di una felicità semplice
 profana, soffice di baci e saliva,
 si sperdono nel loro intimo
 abbracciano spezzoni del giorno
 in cui si intagliano
 e quasi vengono meno ai loro piedi
 in una luce ardente a cui si arrendono
 libere prigioniere del sogno
 SEMPRE TE IMAGINEI SUBINDO A ESCADARIA
 
Sempre te imaginei subindo a escadaria
que da falésia conduz à casa avermelhada do escritor polémico
 Surpreender-te no ardil do vento que atiro ao teu porte
 altivo de gazela olhando um deus silente
 nos domínios do mar
 é uma imagem tão obsessiva como a fera maneira
 de lembrar-te, ver-te as pernas claramente no azul
 do dia aberto para ti na profusão dos agaves
 que se debruçam da imponente escarpa
 Respiro devagar nesses momentos: um passo e
 mais um passo, a escadaria interminável
 flor carnívora enredada no teu corpo
 com um quê de adolescente onde me perco
 como um velho Ulisses
 que nunca regressasse a casa
 Jamais chegas ao cimo, a espuma cativa o teu andar
 derrama-se o sol na tua boca arredia num fragor
 de salões onde há muito não entras, apesar de princesa
 A luminosa cicatriz do amor verga devagar as tuas mãos
 e deixa-te nos diques do tempo escrava do meu olhar
 TI HO SEMPRE IMMAGINATO MENTRE SALIVI LA SCALA
 
Ti ho sempre immaginato mentre salivi la scala
Che dalla scogliera porta alla casa rossastra dello scrittore polemico
 Sorprenderti nel laccio del vento che lancio al tuo incedere
 altero da gazzella che guarda un dio silenzioso
 nei domini del mare
 è un’immagine ossessiva come il modo feroce
 di ricordarti, vedere le tue gambe chiare nell’azzurro
 del giorno per te aperto nell’abbondanza di agavi
 che si affacciano sull’imponente dirupo
 Respiro piano in quei momenti: un passo e
 un altro passo, la scala interminabile
 fiore carnivoro avviluppato al tuo corpo
 Con qualcosa di adolescente in cui mi perdo
 come un vecchio Ulisse
 che non tornasse più a casa
 Non arrivi mai alla vetta, la spuma cattura il tuo incedere
 si diffonde il sole sulla tua bocca schiva nel fragore
 dei saloni dove da tempo non entri, e sei principessa
 La luminosa cicatrice dell’amore piega lenta le tue mani
 e ti lascia nelle dighe del tempo schiava del mio sguardo
 A QUEDA NA POESIA
 
O velhote desequilibrou-se e ficou
estatelado no hall de entrada
 estava sozinho em casa, pensou que ia morrer
 sua mulher apenas chegaria horas depois
 como sempre vinda do trabalho
 Começou então a recitar poemas
 na voz possível atenta a posição
 do seu corpo enrodilhado
 (sabia muitos de cor ( chegariam para horas
 se não morresse entretanto):
 «And she is dying piece-meal
 of a sort of emotional anaemia»
 e foi por ali fora: Dickinson, Frost, Williams
 De súbito ocorreu-lhe: se passei por tantas experiências
 e a tamanha vida nelas contida consegui resistir
 não vou morrer ainda
 Com esforço foi-se soerguendo, conseguiu levantar-se
 cambaleando abriu a janela e a pouco e pouco
 afundou-se de novo nos rumores do dia
 LA CADUTA NELLA POESIA
 
Il vecchio perse l’equilibrio e rimase
disteso sulla soglia
 era solo in casa pensò che stesse per morire
 sua moglie sarebbe arrivata qualche ora dopo
 come sempre veniva dal lavoro
 Cominciò allora a recitare poesie
 con una voce che si adattava alla posizione
 attorcigliata del suo corpo
 (Ne sapeva molte a memoria ‒ ne avrebbe avuto per ore
 se non fosse morto nel frattempo):
 «And she is dying piece-meal
 of a sort of emotional anaemia»
 e così di seguito: Dickinson, Frost, Williams
 All’improvviso gli venne in mente: sono passato per tante esperienze
 e se ho saputo resistere a tanta vita in esse contenuta
 non morirò ancora
 Con un grande sforzo si sollevò un poco, riuscì ad alzarsi
 barcollando aprì la finestra e a poco a poco
 s’immerse di nuovo nei rumori del giorno
 
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